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Carta das Águas do Jequitinhonha

Virgem da Lapa, 19 de junho de 2015.


As Mulheres do Vale do Jequitinhonha, reunidas no V Fórum da Mulher do Jequitinhonha, realizado no município de Virgem da Lapa, nos dias 18 e 19 de junho de 2015, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Prefeitura Municipal de Virgem de Lapa, discutiram os problemas enfrentados pela região, divididos em eixos: a monocultura do eucalipto, barragens, a mineração, a degradação dos recursos hídricos e a violência sofrida pela mulher. Sobre esses temas que impactam diretamente suas vidas, as Mulheres do Vale do Jequitinhonha denunciam à sociedade:
  • A substituição da agricultura familiar pela monocultura do eucalipto traz impactos sociais negativos para a região, entre eles a expulsão dos trabalhadores rurais e a migração sazonal, resultando em um processo contínuo de êxodo rural. A monocultura do eucalipto, bem como o uso de agrotóxicos em seu plantio, reduz a biodiversidade da região, com impactos negativos no ambiente e nas manifestações culturais relacionadas com o uso da flora regional, como é o caso da medicina tradicional praticada pela população local. Além disso, o excesso de carretas transportadoras de eucalipto em circulação pelas cidades e estradas aumenta o índice de acidentes, colocando em risco a vida das pessoas. Os processos erosivos gerados pela monocultura do eucalipto, conciliado com o uso dos agrotóxicos, tem contribuído para ampliar o processo de assoreamento, com redução da quantidade de água dos rios. O plantio de eucalipto tem ocorrido inclusive junto às nascentes dos córregos da região, reduzindo a vazão da água em toda a bacia, prejudicando trabalhadores rurais e alterando os ciclos das plantações. Por fim, a queima do eucalipto para fazer carvão gera partículas sólidas que são lançadas na atmosfera, causando doenças respiratórias nas comunidades afetadas e contribuindo indiscutivelmente com processos mais amplos de degradação ambiental.
  • A atividade de mineração também resulta em conflitos sociais na região inclusive com exploração sexual de mulheres por funcionários das mineradoras. Há também a desestruturação familiar, quando há redução dos postos de trabalho; mesmo quando são abundantes, esses postos consistem em trabalhos informais, insalubres e precarizados, sem garantia dos direitos trabalhistas. A fiscalização realizada pelos órgãos responsáveis é insuficiente pois há muitos garimpos ilegais na região. A atividade de mineração, mesmo com a declarada alteração dos processos produtivos por parte das empresas, continua poluindo os córregos e os rios da região, intoxicando os peixes e prejudicando a saúde da população e dos trabalhadores. 
  • Há o financiamento de campanhas políticas pelas empresas de mineração, o que coloca em risco a isenção de deputados, vereadores e prefeitos quanto à análise de projetos que beneficiem esse setor em detrimento aos interesses da comunidade, como é o caso do mineroduto, e rearranjando um contexto de neocolonialismo na região.
  • As hidrelétricas implantadas na região trouxeram degradação da qualidade da água e impactaram negativamente os peixes da bacia, além de interferir no ciclo das plantações, pois o controle da vazão da água por parte das empresas prejudica drasticamente a vida de trabalhadores, que não podem mais tirar seu sustento da terra, ou porque a água é pouca ou porque a vazão foi grande demais. Além disso, os trabalhadores envolvidos nas construções das barragens estão envolvidos em casos de violência, abuso e abandono das mulheres grávidas. A construção das barragens também provoca o reassentamento dos moradores, que em muitos casos desenvolvem casos de depressão. No há uma rede suficiente de monitoramento da quantidade e da qualidade da água na bacia, o que impede uma melhor compreensão das causas e efeitos desse quadro de degradação ambiental, gerando um aumento na transmissão de doenças.

A manutenção desses problemas decorre da falta de vontade política dos Governos, deixando a população regional sem ter a quem recorrer. É necessário rediscutir o processo de licenciamento da atividade de mineração, de construção de barragens e de plantação de eucaliptos. Sem um novo arranjo, que considere todos os impactos para a população do Vale do Jequitinhonha, as mulheres se posicionam contra a expansão desses empreendimentos em sua região. 

Assumindo o seu protagonismo, as Mulheres do Vale do Jequitinhonha propõem que sejam adotadas, pelas instituições responsáveis, as seguintes ações:
  • Propagar informações sobre o eucalipto para a população da bacia, em linguagem acessível, principalmente por meio da rede escolar, dos poderes legislativos municipais e dos sindicatos de trabalhadores rurais.
  • Implantar fiscalização ambiental e trabalhista efetiva, identificando e multando os agentes poluidores e as empresas que não cumprem a legislação trabalhista.
  • Realizar maior fiscalização da elaboração de políticas públicas e licenciamento ambiental para avaliar e regular a qualidade da água.
  • Desenvolver projetos populares de construção de cisternas e barraginhas para a população.
  • Exigir dos órgãos competentes a criação de uma Política Estadual para garantia dos direitos dos atingidos por barragens e da garantia dos direitos das comunidades tradicionais.
  • Construir redes para denúncia coletiva dos problemas sociais e ambientais da região, mantendo a cobrança por ações corretivas também de forma coletiva.
  • Utilizar as estruturas de controle social, como Ministério Público, e as Ouvidorias municipais e institucionais, como a Ouvidoria da Força Policial, para fiscalizar se há regularidade nos empreendimentos.
  • Cobrar o cumprimento da Resolução 169 da Organização Internacional do Trabalho, que protege as comunidades tradicionais da bacia.
  • Utilizar os sindicatos como elemento de denúncia e cobrança das medidas a serem solucionadas.
  • Ampliar os retornos das atividades econômicas licenciadas na região para as comunidades locais.
  • Revisar os licenciamentos ambientais concedidos e os atuais processos de licenciamento de novos empreendimentos na região por parte dos órgãos competentes.
  • Revogar o decreto de utilidade pública do mineroduto da Sul-América de Metais


Fórum da Mulher do Jequitinhonha

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