O
Brasil passa por uma grave crise política, econômica e ética que acarreta a
ruptura do processo democrático e de direitos já conquistados. Por isso, os(as)
representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea) dirigem-se à sociedade brasileira e ao governo interino
para manifestar profunda preocupação com retrocessos em direitos garantidos
pela Constituição, entre eles o direito à alimentação (Artigo 6º).
O
Consea é um espaço público que reúne representantes de governo e sociedade
civil para viabilizar a participação e o controle social nas políticas públicas
de segurança alimentar e nutricional a partir das diretrizes aprovadas nas
Conferências Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional. É órgão permanente
de Estado previsto na Lei nº 11.346/2006, parte do Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan).
A
atuação do Consea tem contribuído para o aprimoramento e monitoramento das
políticas públicas com propostas voltadas para: ampliar o acesso a alimentação
adequada e saudável; promover a produção agroecológica de alimentos produzidos
pela agricultura familiar, indígena, quilombola e camponesa, responsável por
parte significativa da alimentação diária da nossa população; construir
“pontes” entre cidade e campo; valorizar a biodiversidade, os alimentos frescos
e regionais; reconhecer o papel ativo das mulheres para um sistema
agroalimentar sustentável; respeitar a ancestralidade negra e indígena, a
africanidade e as tradições de todos os povos e comunidades tradicionais;
resgatar identidades, memórias e culturas alimentares dos povos que compõem a
população brasileira; proteger a amamentação; atender às necessidades
alimentares especiais.
A
saída do Brasil do Mapa Mundial da Fome, da Organização das Nações Unidas para
a Alimentação e Agricultura (FAO), em 2014, é uma conquista histórica da
sociedade. O país tornou-se referência internacional no enfrentamento da fome e
desnutrição, e na erradicação da pobreza extrema, para o quê foi essencial a construção
participativa de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.
Entretanto,
o cenário atual impõe um alerta em face da forte pressão dos interesses de
mercado, da orientação neoliberal das políticas públicas que aprofundam a
recessão, provocam desemprego e pobreza, das ameaças a direitos e do aumento do
racismo institucional. São exemplos de ameaças que podem levar a retrocessos, e
à própria volta do país ao Mapa da Fome, medidas como: manutenção de juros
elevados; interrupção da valorização do salário mínimo; flexibilização das leis
trabalhistas e reforma da previdência social; limitação de gastos com serviços
públicos de educação e saúde e o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde;
redução do número de titulares de direitos do programa Bolsa Família; ampliação
da tributação que afeta desigualmente as populações mais empobrecidas; ausência
de regulação dos preços dos alimentos.
Reafirmamos
o papel regulador e indutor do Estado brasileiro no abastecimento alimentar da
população brasileira, englobando as esferas da produção, comercialização,
distribuição e consumo de alimentos. A segurança alimentar e nutricional deve
ser um dos eixos orientadores do desenvolvimento do país. Seu caráter
intersetorial exige a integração de políticas. A não demarcação dos territórios
indígenas está diretamente relacionada com os altos índices de desnutrição e
mortalidade infantil nessa população; a não regulamentação da publicidade de
alimentos contribui para os altos índices de obesidade e sobrepeso desde a
infância; a redução dos programas voltados à agricultura familiar e a não
democratização do acesso à terra aumentam os riscos de empobrecimento da dieta
tradicional brasileira e a dependência de importações de alimentos, afetando a
soberania alimentar; a liberação da comercialização de sementes transgênicas
ameaça a diversidade de espécies de sementes nativas; o aumento do uso de
agrotóxicos repercute nos índices de intoxicações agudas e crônicas da
população.
O
Consea tem insistido na aprovação do Programa Nacional de Redução de
Agrotóxicos (Pronara), e se manifestado contrariamente ao desmonte da função de
órgãos reguladores de controle dos agrotóxicos e à flexibilização da legislação
ambiental previstas em propostas em debate no Congresso Nacional. Somos
contrários também à pulverização aérea no caso do controle dos vetores da
dengue, chikungunya e zika.
Defendemos
incondicionalmente a necessidade de políticas adaptadas às especificidades e
desafios da agricultura familiar, indígena, quilombola e camponesa, seus modos
de vida, de organização e produção, que se diferenciam da agricultura patronal
detentora de grandes extensões de terra e voltada para a exportação de
commodities. Por essas razões, consideramos grave retrocesso a transformação do
Ministério do Desenvolvimento Agrário em uma Secretaria Especial, fato que
enfraquece a pauta e o aparato estatal necessário para sua efetivação,
impactando negativamente programas como a Política de ATER, o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar
(PNAE). Encontram-se paralisadas as ações de fortalecimento da convivência com
o Semiárido. Denunciamos o verdadeiro genocídio contra os povos indígenas, com
destaque para o contexto de violência contra os Guarani Kaiowá agravada nas
últimas semanas, requerendo providências emergenciais de defesa desses povos.
Por isso, contestamos as propostas de emenda constitucional que ferem os seus
direitos territoriais e das comunidades quilombolas.
O
Consea repudia qualquer manifestação preconceituosa contra as múltiplas
identidades étnicas de povos e comunidades tradicionais que caracterizam a
ampla diversidade brasileira. Enfaticamente defendemos a importância e
necessidade da existência do Conselho Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais
(CNPCT). A extinção das secretarias de direitos humanos, de políticas para as
mulheres e de igualdade racial representa um grave retrocesso em um país que
tem o racismo, o patriarcado e a violação de direitos humanos como vetores
estruturantes das desigualdades.
Contestamos,
também, a primazia da ótica de mercado na condução da política externa
brasileira e as mudanças anunciadas, particularmente, de secundarização da
cooperação sul-sul. A cooperação técnica e humanitária tem contribuído com a
estruturação de políticas e programas em países com insegurança alimentar e
nutricional grave, especialmente, na América Latina e Caribe e na Comunidade de
Países de Língua Portuguesa.
Retroceder
em matéria de direitos fundamentais, como o Direito Humano à Alimentação
Adequada e Saudável, representa uma grave afronta ao Estado Democrático de
Direito construído com participação social. Os(as) representantes da sociedade
civil do Consea reafirmam seu posicionamento de resistência contra qualquer
tentativa de reduzir direitos e retroceder nas políticas públicas, e realçam a
necessidade de ampliar os direitos conquistados que garantem e promovem a
soberania e a segurança alimentar e nutricional no Brasil.
Brasília,
06 de Julho de 2016
Representantes
da sociedade civil do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Comentários