Ekaterine Karageorgiadis*
Atualmente no Brasil, 30% das crianças de cinco a nove anos estão com sobrepeso e 15% estão obesas (POF 2008-2009). Os dados revelam uma epidemia, que acomete as cinco regiões do país e todas as classes sociais. Com o excesso de peso, surgem as doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes, problemas renais e alguns tipos de câncer.
Atualmente no Brasil, 30% das crianças de cinco a nove anos estão com sobrepeso e 15% estão obesas (POF 2008-2009). Os dados revelam uma epidemia, que acomete as cinco regiões do país e todas as classes sociais. Com o excesso de peso, surgem as doenças crônicas não transmissíveis, como hipertensão, diabetes, problemas renais e alguns tipos de câncer.
O problema não é só brasileiro.
Diversos países, desenvolvidos ou em desenvolvimento, preocupam-se hoje com a
reversão de problemas de saúde em crianças, que antes eram característicos de
idosos. Pesquisas demonstram que, se nada for feito, pela primeira vez na
história a geração atual viverá menos do que seus pais.
Impossível não associar a queda da
expectativa e da qualidade de vida e o aumento de gastos públicos com
tratamentos de enfermidades relacionadas à obesidade (estimados em 488 milhões
de reais anuais) à adoção de novos hábitos alimentares pela população,
impulsionada pelas estratégias de comunicação mercadológica de produtos
alimentícios industrializados e ultraprocessados, com alto teor de sódio,
gorduras, açúcares e bebidas de baixo valor nutricional. Substitui-se os
alimentos tradicionais da dieta brasileira (arroz, feijão, carne, verduras e
legumes) pelos macarrões instantâneos, lanches, biscoitos, refrigerantes,
refrescos em pó, etc, anunciados como nutritivos, convenientes e práticos, para
serem ingeridos a qualquer hora, em qualquer lugar.
Televisão, rádio, páginas e jogos
de internet, revistas, jornais, mídia externa, espaços públicos, e até mesmo
escolas. Os anúncios estão por toda parte, e, muitos deles focam diretamente as
crianças com menos de 12 anos que, em razão de sua peculiar condição de
desenvolvimento biopsicológico, são vulneráveis e hipossuficientes. O mercado
não desconhece essas características e, além disso, ciente de que os hábitos
alimentares se formam na infância, estimula o consumo de produtos palatáveis e
saborosos, com publicidades repletas de personagens infantis, animações, cores,
músicas, etc., que enaltecem suas características positivas, associadas a
valores distorcidos de poder, status, felicidade, liberdade.
As crianças e suas famílias,
bombardeadas pelas publicidades atrativas e convincentes, consomem os produtos
e, ao mesmo tempo, são culpabilizadas pelos seus problemas de saúde. São os
pais que compram as guloseimas e «não exercem seu papel de educar», dizem
alguns. Além disso, deveriam saber o que estão comendo, ter autocontrole, ter
uma alimentação saudável e balanceada, e, ainda, exercitar-se.
As crianças são sujeitos de
direito, e não simples objetos. Os pais têm o dever de cuidar e educar seus
filhos, mas não podem ser responsabilizados exclusivamente pelos danos causados
à saúde dessa geração de crianças. Estamos diante de um fenômeno global, que
não se restringe mais às quatro paredes de uma casa. A Constituição Federal de
1988, em seu artigo 227, determina que cabe ao Estado, à família e à sociedade
a responsabilidade, compartilhada e conjunta, pela proteção integral com
absoluta prioridade das crianças, para protegê-las da violação a qualquer um de
seus direitos.
Para viabilizar essa proteção, foi
promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990. Além disso, o
Código de Defesa do Consumidor que hoje cumpre 23 anos de sua promulgação
determina, no artigo 37, §2º, que é ilegal e, portanto, proibida, a
publicidade que abusa da deficiência de julgamento e de experiência da criança.
Segundo o Código cabe aos órgãos de proteção dos consumidores aplicar as
sanções de multa ou contrapropaganda às empresas infratoras, o que não exclui a
responsabilidade penal dos responsáveis por sua veiculação.
A interpretação sistemática dessas
normas determina, portanto, a proibição da publicidade direcionada ao público
infantil, uma vez que todo anúncio que fala com a criança necessariamente se
vale de sua ingenuidade para convencê-la a querer, e, consequentemente, a agir
como promotora de vendas das marcas perante seus pais e responsáveis.
Se a responsabilidade pela proteção
das crianças é de todos, cada um dos atores deve assumir seu papel. Ao Estado,
cabe criar normas claras e efetivar a fiscalização de seu cumprimento. Às
empresas, respeitar o melhor interesse da criança, que deve estar acima dos
seus interesses comerciais, para deixar de seduzi-la em todos os seus espaços
de convivência. Os anúncios devem ser feitos para os pais, adultos com real
poder de compra, para que conheçam as características dos produtos, com
informações precisas e claras, e possam exercer, com mais conhecimento, seu
poder familiar.
Para subsidiar esse debate,
Instituto Alana, Andi Comunicação e Direitos e Lids, centro de pesquisa da Universidade
de Harvard, produziram o livro Publicidade de Alimentos e Crianças
Regulação no Brasil e no mundo, publicado pela Editora Saraiva,
que traz um estudo comparativo sobre como funciona a regulação do tema no
Brasil, Canadá, Estados Unidos, França, Suécia, Alemanha, Reino Unido,
Austrália e União Europeia. A publicação traz ainda um artigo inédito de
Corinna Hawkes, que foi presidente do Grupo de Especialistas em Marketing de
Alimentos para Crianças da Organização Mundial de Saúde, sobre as políticas
mundiais existentes sobre o tema e seus efeitos, com base em relevantes
pesquisas.
O objetivo do livro, ao analisar as
leis em vigor, acordos de autorregulação, iniciativas do Poder Legislativo,
políticas públicas vigentes, é debater e estimular a adoção de medidas efetivas
que protejam as crianças dos efeitos da publicidade de alimentos.
* Ekaterine Karageorgiadis é advogada da área de Defesa do Instituto Alana e conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
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