O Fórum
Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) lançou em
junho uma Carta Política à sociedade. O documento reflete o acúmulo a partir
dos debates, oficinas e de uma plenária, onde cerca de 130 participantes, estiveram
reunidos em Porto Alegre.
O
texto aponta que “é preciso enfrentar as contradições brasileiras no campo
da soberania e segurança alimentar e nutricional”. Ressalta que a notoriedade
do Brasil no campo alimentar e de enfrentamento à pobreza “não deve servir de
instrumento para a difusão de modelos de produção e consumo que causem danos
ambientais e culturais onde são implementados”.
Constata,
ainda, que a “chamada crise alimentar” é, de fato, um sintoma de “um
sistema alimentar em crise”. Na Carta, o Fórum se posiciona contra
pilares desse modelo, tais como: as monoculturas de grandes escalas; o uso de
venenos; o controle por grandes corporações, desde o plantio até o varejo das
produções; os padrões de consumo de baixo valor nutricional estimulados por uma
publicidade de alimentos dirigida, principalmente, ao público infanto-juvenil;
dentre outros.
Diálogo
entre Estado e sociedade civil
Como
atividade de encerramento do Encontro, realizado entre 4 e 6 de junho, o FBSSAN
organizou uma mesa de diálogo entre o governo federal e a sociedade civil
organizada. Michele Lessa, da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e
Nutricional (Caisan), centrou sua fala nos “motivos para comemorar”. Ela citou
o combate à fome, à desnutrição e a implementação dos programas Bolsa Família e
Brasil Carinhoso. Mas, diante das críticas, admitiu que o governo precisa
realizar ações de combate ao uso de agrotóxicos, que
prejudica populações e o meio ambiente. E, sobre o fato do país não
possuir políticas nacionais de abastecimento e agricultura urbana, se comprometeu
a levar as reivindicações do Fórum aos 19 ministérios que formam a Caisan.
Maria
Emília Pacheco, presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional (Consea), reconheceu avanços no acesso ao alimento. Porém,
acrescentou que que é preciso ver a alimentação como um ato político, entrando
em disputa a qualidade desse alimento. Chama atenção, por exemplo, a epidemia
de sobrepeso e obesidade que atinge, respectivamente, 30% e 15% das crianças
brasileiras de 5 a 9 anos, conforme recentes dados do IBGE.
Diante
da situação, ressaltou que “o grande desafio é aprofundarmos o que entendemos
por público”, porque “na prática há sistemas de regulação privados que estão
orientando as políticas dos governos”. Criticou, ainda, o “tom sínico” dos que
dizem que a “atividade regulatória pressupõe comparar riscos e benefícios”,
estando, portanto, em num campo que vai “implicar na aceitação de certos danos
prováveis em troca de benefícios maiores”. “A questão então é saber que danos
são esses e quem são os impactados. A proteção do direito humano à alimentação
e da soberania alimentar deve estar acima dos interesses de mercado”, garantiu.
“Estamos
vivendo um contexto de flexibilização de direitos, o que é uma situação
bastante grave. É preciso não perder de vista que os impactos deste modelo
hegemônico de produção e consumo de alimentos não afeta igualmente a todos os
setores da população. Estamos vivendo uma acumulação de riquezas por
despossessão”, afirmou Maria Emília lembrando o geógrafo britânico David Harvey.
O
exemplo "mais gritante" dessa lógica, na opinião da antropóloga, é
a situação
de indígenas, quilombolas, entre outros povos tradicionais ao
terem seus territórios usurpados em nome do desenvolvimento. “A situação no
Brasil é tão complicada que o que os juristas costumam chamar de arcabouço
infra-legal está ganhando um estatuto que se iguala ou até supera as próprias
leis”, disse. A Carta do FBSSAN destaca que essa realidade compromete a
“capacidade de produzir alimentos que expressem identidades étnica, social,
cultural e religiosa”.
Nova
agenda política: a defesa da comida como patrimônio cultural
As
organizações, redes e movimentos sociais integrados ao FBSSAN defenderam o fim
dos venenos e dos transgênicos. Em contraponto à lógica do agronegócio,
manifestaram que é possível e necessário adotar o “resgate e a disseminação de
práticas alimentares e da culinária que preservem a cultura e a autonomia” das
diversas regiões do país.
A
Carta aponta que as legislações sanitárias vigentes não garantem alimentos de
qualidade, mas sim aprofundam a padronização da alimentação. O Fórum denuncia
que, dessa maneira, o Estado favorece os modos de produção industriais.
Defendendo a qualidade dos alimentos, ressalta que não se trata de flexibilizar
as leis, mas de se construir urgentemente um novo marco regulatório para a
adequação aos alimentos processados pela agricultura familiar, tradicional e
camponesa. Essa regulação deve ser fundamentada “em conhecimentos, práticas,
experiências e modos de vida dos produtores”.
Neste
7º Encontro, como forma de se organizar e construir constantemente análises e
propostas em diferentes campos da segurança alimentar, o FBSSAN constituiu
comissões temáticas. São elas: Povos e Comunidades Tradicionais; Abastecimentos
e Construção dos Mercados; Qualidade dos Alimentos e Cultura Alimentar;
Agricultura Urbana; Agrotóxicos e Transgênicos; Participação Social; Segurança
Alimentar no Contexto Amazônico; e Segurança Alimentar no Semiárido.
O
documento final do evento, que teve como tema “Que alimentos (não) estamos comendo?”,
reforçou ainda que “a agroecologia
tem se afirmado como o melhor meio de produção de alimentos” por
hoje trazer “benefícios para toda a sociedade e para o planeta”, além de
“garantir o acesso a esses alimentos a gerações futuras”. Por fim, aponta que
são “igualmente importantes os direitos à água e à terra, instrumentos
fundamentais para a realização do direito humano à alimentação”.
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